Evidências científicas para a melhor utilização de exames laboratoriais

Choosing Wisely® (escolher com sabedoria) é um movimento que tem obtido o apoio de diversas sociedades científicas no Brasil e no mundo, no sentido de levantar questionamentos e orientações baseadas em evidências científicas para a melhor utilização de determinados procedimentos. Busca promover um diálogo sobre como evitar exames médicos, tratamentos e procedimentos desnecessários.

A Sociedade Brasileira de Infectologia, assim como outras especialidades, apresentou suas 10 recomendações em
relação a exames laboratoriais que, baseado em evidências, são considerados clinicamente desnecessários.
Em alguns tópicos serão incluídos comentários ou sugestões de leituras complementares sobre o tema.

1. Não use culturas de swab para o diagnóstico microbiológico de úlceras infectadas

O uso de swabs para a realização de culturas microbiológicas de úlceras cutâneas infectadas comumente reflete
contaminação com microbiota de pele. Culturas coletadas por swabs não mostram correlação com a presença de
microrganismos patogênicos envolvidos com infecção de úlcera. Em adição, a microbiota de tecidos profundos não pode ser acessada com swabs superficiais.

A amostragem por swabs pode levar a resultados errôneos e a biópsia de tecido é o procedimento recomendado para
confirmar a presença de microrganismos associados com úlceras infectadas.

2. Não solicite cultura de urina para pacientes assintomáticos

Crescimento de bactérias na urina ocorre comumente em pacientes assintomáticos. Bacteriúria assintomática ocorre em 3,5% das mulheres jovens e em pacientes diabéticos, podendo chegar a 18% da população idosa. Por tal motivo,
rastreamento para bacteriúria assintomática não é recomendado, exceto em caso onde a terapia antimicrobiana possa trazer benefício clínico.

Na gravidez, a detecção e o tratamento de bacteriúria assintomática reduzem a incidência de pielonefrite, parto
prematuro e baixo peso ao nascimento.

Em pacientes pré-operatório de cirurgia urológica, tal conduta reduz as taxas de febre e de sepse no pós-operatório.

Informação complementar: A American Urological Association (AUA), em colaboração com a Canadian Urological Association (CUA) e a Society of Urodynamics, Female Pelvic Medicine & Urogenital Reconstruction (SUFU), emitiram diretrizes para o diagnóstico e o tratamento das infecções recorrentes do trato urinário sem complicações (ITU), destacando a importância das culturas e do programa de supervisão da administração de antibióticos (antibiotic stewardship). Fonte: Anger J, Lee U, Ackerman AL, Chou R, Chughtai B, Clemens JQ, et al. Recurrent Uncomplicated Urinary Tract Infections in Women: AUA/CUA/SUFU Guideline. J Urol. 2019 Aug. 202 (2):282-289. Disponível em https://www.auanet.org/guidelines/recurrent-uti

3. Não use testes treponêmicos no seguimento de pacientes tratados para sífilis

Dois tipos de testes laboratoriais são utilizados para o diagnóstico da sífilis: testes não-treponêmicos e treponêmicos.
Testes treponêmicos, como o FTA-Abs, são mais específicos, sendo usados para confirmar os diagnósticos em pacientes com teste não-treponêmico positivo, bem como em casos onde os testes não-treponêmicos possuam reduzida sensibilidade, como a sífilis tardia.

Entretanto, os títulos de anticorpos treponêmicos se correlacionam pouco com a atividade da doença e podem
permanecer positivos durante toda a vida do paciente. Como resultado, os testes treponêmicos não devem ser usados
para monitorar a atividade sorológica e os desfechos do tratamento de pacientes previamente tratados para sífilis.

Informação complementar: Testes treponêmicos: Teste de anticorpos treponêmicos fluorescentes com absorção (FTAAbs) – anticorpos totais; Teste imunológico com revelação quimiluminescente e suas derivações;Testes de hemaglutinação e aglutinação; Testes rápidos treponêmicos. Testes não treponêmicos: O VDRL (do inglês Venereal Disease Research Laboratory); RPR (do inglês Rapid Plasmatic Reagin), o USR (do inglês Unheated Serum Reagin) e o TRUST (do inglês Toluidine Red Unheated Serum Test), que são modificações do VDRL. Fonte: Manual técnico para o diagnóstico da sífilis [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2021/manual-tecnico-para-o-diagnostico-da-sifilis.

4. Não teste IgG para Toxoplasma no seguimento de pacientes imunocompetentes e não repita IgG para Toxoplasma em
pacientes com teste de IgG previamente positivo

Não se recomenda repetir IgG anti-Toxoplasma em pacientes imunocompetentes previamente positivos, assim como
não é recomendado seguimento sorológico destes indivíduos.

A prevalência de infecção por Toxoplasma varia entre países e também entre comunidades dentro de um mesmo país, dependendo de fatores ambientais e socioeconômicos.

Em algumas áreas do Brasil a soroprevalência de infecção por T. gondi atinge 80%. Uma vez que a infecção por Toxoplasma seja confirmada, os títulos tendem a permanecer positivos e conferir proteção contra reinfecção por toda a vida.

Informação complementar: Vide Nota Técnica que apresenta fluxograma de diretriz Nacional, para a condução clínica do diagnóstico e tratamento da Toxoplasmose Gestacional e Congênita. Fonte: NOTA TÉCNICA Nº 14/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS. Disponível em https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/202112/17150626-nota-tecnica-n-14-2020-cosmu-cgcivi-dapes-saps-ms-2.pdf:

5. Não use testes sorológicos para diagnosticar ou rastrear infecção por HSV-1 e HSV-2 na população geral

Devido à alta prevalência de infecção pelo vírus herpes simplex 1 (HSV-1) e 2 (HSV-2) na população geral, a detecção de anticorpos contra estes vírus costuma não ter significado clínico. Em 2012, um estudo estimou que 67% da população mundial com menos de 50 anos de idade já estivesse infectada por HSV-1.

A prevalência global estimada para o HSV-2, para a mesma faixa etária, foi de 11%. Estudos brasileiros também têm demonstrado uma elevada soroprevalência de infecção por herpes simplex em adultos.

Informação complementar: vírus herpes simples 2 (herpes genital) e vírus herpes simples 1 (herpes perioral). O agente mais comumente encontrado em úlceras genitais é o vírus do herpes simples (herpes simplex virus, HSV), em seus tipos 1 e 2. São vírus DNA que pertencem à família Herpesviridae. O segundo agente mais comum é o Treponema pallidum, causador da sífilis. Esses agentes podem também ser encontrados em associação. Fonte: https://doi.org/10.1590/S1679- 4974202100010.esp1-Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: infecções que causam úlcera genital. Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 30(Esp.1):e2020663, 2021.

6. Não pesquisar Clostridium difficile em pacientes sem diarreia

Pacientes hospitalizados e em uso de antibioticoterapia, especialmente idosos, frequentemente são carreadores
assintomáticos de C. difficile. Em adultos saudáveis, colonização ocorre em 5 a 15%, enquanto, em moradores de
instituições de longa permanência, essa frequência aumenta para 57%.
Como a presença de colonização não indica tratamento, testar para C. difficile não é recomendado em pacientes
assintomáticos e o diagnóstico de infecção deve ser feito baseado na combinação de sintomas clínicos e exames
laboratoriais.

Informação complementar: A pesquisa de infecções por Clostridioides difficile deve ser realizada somente em pacientes sintomáticos e por meio de testagem em série, com GDH ou teste molecular seguido de pesquisa de toxinas. Fonte: Clinical Guidelines: Prevention, Diagnosis, and Treatment of Clostridioides difficile Infections. Am J Gastroenterol 2021 Jun 1;116(6):1124-1147. doi: 10.14309/ajg.0000000000001278; e Am J Gastroenterol. 2022 Feb 1;117(2):358. doi:10.14309/ajg.0000000000001529.

7. Não mensurar CD4 de rotina em pacientes HIV com supressão viral prolongada (>2 anos) e contagem de células T-CD4
elevada (≥500 células/mm³), exceto se houver falha virológica ou desenvolvimento de uma infecção oportunista

Quando mensuração de carga viral está disponível de rotina, pacientes com HIV que apresentam carga viral indetectável e em uso regular de terapia antirretroviral não necessitam de mensuração regular da contagem de células CD4.

Nesse contexto, a contagem de CD4 geralmente se mantém estável e raramente sua dosagem leva à alteração da conduta clínica. Além disso, variações na contagem de CD4 menores do que 30% são comuns e sem expressão clínica.

Não acompanhar rotineiramente o CD4 de indivíduos HIV positivos é uma estratégia recomendada em pacientes que estejam com carga viral indetectável há, no mínimo, 2 anos e que possuam contagem de CD4 de, pelo menos, 300 a 500 células/mm³.

Informação complementar: A contagem de LT-CD4+ tem importância na avaliação inicial, enquanto a carga viral (CV-HIV) é considerada o padrão-ouro para monitorar a eficácia da terapia antirretroviral (TARV) e detectar precocemente problemas de adesão. Para pacientes estáveis, em TARV, com CV-HIV indetectável e contagem de LT-CD4+ acima de 350 céls/mm3, a realização do exame de LT-CD4+ não traz nenhum benefício ao monitoramento clínico-laboratorial. Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das
Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Disponível em http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2013/protocolo-clinico-ediretrizes-terapeuticas-para-manejo-da-infeccao-pelo-hiv-em-adultos. 

8. Não dosar carga viral de HCV para monitorar pacientes que tenham alcançado resposta virológica sustentada póstratamento, exceto se houver risco de reinfecção ou desenvolvimento de disfunção hepática inexplicada

Pacientes com HCV que apresentam carga viral HCV-RNA indetectável no soro ou no plasma com 12 ou 24 semanas após o término do tratamento são consideradas com tendo alcançado resposta virológica sustentada.

Desses, mais de 99% permaneceram livres da infecção após 5 anos de acompanhamento. Por esse motivo e com o desenvolvimento de novas terapias com alta potência independente da carga viral inicial, não há necessidade de acompanhar a carga viral de HCV, uma vez que a resposta virológica sustentada tenha sido atingida.

A dosagem anual de HCV-RNA só é recomendada se houver risco contínuo de exposição a HCV, como em usuários de drogas intravenosas.

Informação complementar: Os testes moleculares quantitativos também são conhecidos como testes de carga viral (CV) e são capazes de quantificar o número de cópias de genomas virais circulantes em um paciente. As metodologias quantitativas disponíveis hoje são similares às metodologias qualitativas no que se refere à sensibilidade e especificidade do teste. A solicitação inicial de carga viral para monitoramento deve ser feita 24 semanas após o término do tratamento. Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-ediretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-coinfeccoes.

9. Não usar testes sorológicos como única base para o diagnóstico de leishmaniose em áreas endêmicas

Apesar de largamente usada, em conjunto com imagens de tomografia computadorizada, na investigação de aspergilose invasiva em pacientes neutropênicos, a dosagem de galactomanana sérica tem sua sensibilidade muito reduzida em populações de pacientes não neutropênicos.

Essas populações incluem receptores de transplantes de órgãos sólidos, pacientes com doença o enxerto vs. hospedeiro e pacientes em uso de corticoides.

Nesses casos, na suspeita de aspergilose invasiva, recomenda-se a dosagem de galactomanana em amostras de lavado broncoalveolar.

Informação complementar: A galactomanana é um polissacarídeo que faz parte da camada externa da parede celular de Aspergillus, sendo liberada durante seu crescimento. A técnica baseia-se num ELISA sanduíche e utiliza anticorpos monoclonais. A detecção da galactomanana em amostras biológicas serve tanto para o monitoramento de pacientes suscetíveis ao desenvolvimento de aspergilose invasiva quanto para a avaliação da terapia realizada em pacientes já diagnosticados. Os índices de sobrevivência são maiores em pacientes cujos níveis de antígenos diminuem durante a terapia. Fonte: Diagnóstico laboratorial de aspergilose invasiva: avaliação de métodos moleculares e detecção de antígenos. RBAC. 2016;48(2):96-109 disponível em http://www.rbac.org.br/artigos/diagnostico-laboratorial-de-aspergilose-invasiva-avaliacao-demetodos-moleculares-e-deteccao-de-antigenos-48-n-2/

Assessoria Médica Lab Rede
Edição 03. Março /2022

Referência
Socidedade Brasileira de Infectologia; Choosing Wisely Brasil. Recomendações da Choosing Wisely Brasil da Sociedade Brasileira de
Infectologia. Dispnível em https://infectologia.org.br/recomendacoes-da-choosing-wisely-brasil-da-sociedade-brasileira-deinfectologia/. Última consulta em 02/03/2022.