O QUE É HEMOGLOBINA GLICADA E PROCESSO DE FORMAÇÃO

A fração mais importante da hemoglobina glicada, no que concerne ao diabetes, é a fração A1C ou HbA1c, na qual há um

resíduo de glicose ligado ao grupo amino terminal (resíduo de valina) de uma ou de ambas as cadeias beta da HbA.
A ligação entre a HbA e a glicose é um tipo de glicação não enzimática, contínua, lenta e irreversível. Entretanto, a
primeira fase da reação entre a glicose e a hemoglobina é reversível e origina um composto intermediário denominado pré-A1C, A1C lábil ou instável, aldimina ou, ainda, base de Schiff. A segunda fase resulta em um composto estável tipo cetoamina, não mais dissociável, agora denominado de HbA1c ou, simplesmente, A1C.

A hemácia é livremente permeável à molécula de glicose, sendo que a hemoglobina fica, praticamente, exposta às
mesmas concentrações da glicose plasmática. A hemoglobina glicada se acumula dentro das hemácias, apresentando,
portanto, uma meia vida dependente da delas.

NOMENCLATURA

Recomenda-se o uso dos termos “hemoglobina glicada”, “HbA1c” ou “A1C”.
No indivíduo sem diabetes a fração A1C representa, aproximadamente, 80% da hemoglobina A1 total.

USO CLÍNICO

A HbA1c é um importante marcador bioquímico para o monitoramento de pacientes com diabetes mellitus e reflete a
concentração média da glicose no sangue num período que compreende a vida útil dos eritrócitos.

Além de ser um, marcador de controle glicêmico, mais recentemente, a A1C passou a ser utilizada como teste de rastreio ou mesmo de diagnóstico para o diabetes mellitus, adicionalmente ao teste de glicemia de jejum e do teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Isso só foi possível após a ampla padronização dos testes para dosagem de A1C.

Valores acima ou iguais a 6,5%, realizados por um método certificado pelo NGSP (National Glycohemoglobin Stardadization Program), quando confirmados numa segunda ocasião, fazem o diagnóstico de diabetes mellitus. Indivíduos com valores de 5,7% a 6,4% são classificados no grupo de pré-diabetes e teriam risco aumentado para desenvolver diabetes.

ANÁLISE LABORATORIAL

Fase pré-analítica

• Variação Biológica

Idade: Existe uma relação entre elevação dos níveis de A1C com a idade. Segundo Nutall (1999), o aumento médio seria de, aproximadamente, 0,11% a 0,15% por década, dependendo do método analítico utilizado.
Raça ou etnia: Os níveis de A1C podem variar de acordo com a raça ou etnia, independentemente dos níveis glicêmicos. Os afro-americanos tendem a apresentar níveis mais elevados de A1C do que os brancos não-hispânicos.

• Interferentes analíticos

Algumas condições clínicas e certos interferentes analíticos devem ser considerados quando o resultado da A1C não se correlacionar adequadamente com o estado clínico do paciente.

As doenças que cursam com anemia hemolítica ou estados hemorrágicos podem resultar em valores inapropriadamente diminuídos por encurtarem a meia vida das hemácias. As condições clínicas que interferem na meia vida das hemácias diminuem o poder diagnóstico da A1C em refletir os níveis pregressos de glicose, não se tratando de interferentes diretos sobre a metodologia utilizada. A concentração da hemoglobina é um parâmetro importante a ser avaliado, frente a um resultado de A1C não consistente com o quadro clínico.

A presença de grandes quantidades de vitaminas C e E é descrita como fator que pode induzir resultados falsamente diminuídos por inibirem a glicação da hemoglobina.

O uso do medicamento dapsona pode induzir artificialmente queda nos níveis de hemoglobina glicada. A causa desta interferência não está claramente estabelecida. No entanto, é sabido que a dapsona pode induzir a oxidação da
hemoglobina para meta-hemoglobina, o qual pode interferir no ensaio por cromatografia líquida de alta performance (HPLC). A dapsona pode também reduzir o tempo de sobrevida das hemácias, independente do seu efeito hemolítico.

A anemia por carência de ferro, vitamina B12 ou folato nos quais ocorre aumento da sobrevida das hemácias, poderesultar em valores inapropriadamente elevados da A1C.

Hipertrigliceridemia, hiperbilirrubinemia, uremia, alcoolismo crônico e ingestão crônica de opiáceos podem interferir em algumas metodologias produzindo resultados falsamente elevados. Hemoglobina quimicamente modificada pode estar presente nos pacientes com uremia, produzindo um composto denominado hemoglobina carbamilada, resultado da ligação da ureia à hemoglobina. Os pacientes que fazem uso de elevadas quantidades de ácido acetilsalicílico produzem a hemoglobina acetilada. Ambos os elementos podem interferir na dosagem da hemoglobina glicada, produzindo resultados falsamente elevados.

Atualmente, a maioria das metodologias certificadas pelo NGSP apresentam mínima ounenhuma interferência das hemoglobinas quimicamente modificadas. No entanto, é oportuno considerar a possibilidade desta interferência frente a um resultado clinicamente inconsistente de A1C, onde as causas mais comuns de interferência metodológica foram descartadas.

A dosagem de hemoglobina glicada em pacientes portadores de variantes de hemoglobina heterozigótica (exemplos:
hemoglobina S, C D, E, etc.), ou naqueles com elevada concentração de hemoglobina F, resulta valores falsamente elevados ou diminuídos, conforme a metodologia aplicada. Importante ressaltar que as variantes de hemoglobina também apresentam processo de glicação semelhante a hemoglobina A. Alguns métodos, baseados no HPLC e eletroforese capilar, podem identificar a presença de alguns tipos de hemoglobinas variantes e desconsiderar a concentração das variantes de hemoglobina glicada no cálculo final da A1C.

A quantificação da hemoglobina glicada não é aplicável nas hemoglobinopatias homozigóticas, em função da ausência de hemoglobina A. Esta condição necessita ser rastreada e confirmada pelos métodos usuais para o estudo das variantes de hemoglobina. Nestas situações, exames alternativos, tais como frutosamina, podem ser úteis.

Os efeitos da presença das variantes de hemoglobina heterozigóticas C, S, E e D e também da hemoglobina fetal elevada sobre os métodos comerciais disponíveis, podem ser consultados no site do NGSP: www.ngsp.org .
A base de Schiff, que é a fração lábil da hemoglobina glicada, pode representar importante interferente na dosagem, na dependência do método utilizado.

Coleta, processamento e conservação das amostras
 Preparo do paciente

O paciente não precisa estar em jejum, entretanto resultados mais acurados são obtidos em amostras isentas de
turbidez decorrentes da hipertrigliceridemia. Por esta razão, é recomendada a coleta de sangue, pelo menos, duas horas após a ingestão de alimentos.

Fase analítica
 Metodologias para o ensaio HbA1c

Existem dois principais métodos analíticos para dosagem de HbA1c, com base na separação e na quantificação das
frações (cromatografia de troca iônica, eletroforese capilar e cromatografia por afinidade) e com base em reações
químicas (imunoensaios e imunoenzimáticos).

 Métodos rastreáveis à referência DCCT e certificação NGSP

A função do National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) é padronizar os resultados da A1C entre os
métodos comerciais disponíveis, de modo que os resultados sejam comparáveis àqueles obtidos no estudo DCCT. O
NGSP certifica métodos comerciais e também laboratórios clínicos. No site do NGSP (www.ngsp.org) estão descritas as informações referentes ao processo de certificação dos conjuntos diagnósticos comerciais e laboratórios certificados.

 Padronização do International Federation for Clinical Chemistry (IFCC) para dosagem da hemoglobina glicada

O International Federation for Clinical Chemistry Working Group (IFCC-WG) foi criado no ano de 1995 visando
desenvolver métodos de referência para a dosagem da A1C. Uma rede de laboratório internacional foi criada para
trabalhar com dois métodos: espectrometria de massa e eletroforese capilar. Os resultados da A1C obtidos pela
metodologia IFCC são 1,5 a 2,0% mais baixos quando comparados aos resultados dos métodos certificados pelo NGSP.

 Critérios para suspeita da presença de variante de hemoglobina na amostra avaliada

– Resultados abaixo do limite inferior da referência: Se o resultado for confirmado, deve-se avaliar suspeita de doença hemolítica, hemorragia ou paciente portador de variante de hemoglobina.
– Resultados acima de 15%: Se o resultado for confirmado, a hipótese da presença de hemoglobina variante deve ser
considerada, particularmente se os níveis de glicose plasmática não forem consistentes com o resultado da A1C. Pode-se confirmar o resultado por uma segunda metodologia, ou realizar pesquisa de variante de hemoglobina.

Assessoria Médica Lab Rede.
Edição 04. Abril/2022

Referências: 1. Posicionamento Oficial SBD; SBPC-ML; SBEM; FENAD. Atualização sobre hemoglobina glicada (a1c) para avaliação do controle glicêmico e para o diagnóstico do diabetes: aspectos clínicos e laboratoriais. 2017-2018 [acesso em 17 de março 2022]. Disponível em: https://www.endocrinologiausp.com.br/wpcontent/uploads/2010/04/POSICIONAMENTO-OFICIAL-A1C-2017-2018-09-AGO-2017.pdf . 2. Ferra Jr. EM, Pinto GHN. Interferências das variantes de hemoglobina e
talassemias na dosagem da hemoglobina glicada. In: Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica /

Medicina Laboratorial: Boas Práticas em Laboratório Clínico. Editora Manole LTDA, Barueri – SP, 2020. 3. Sumita N. As interferências e as limitações metodológicas na dosagem da hemoglobina glicada (A1C). J Bras Patol Med Lab. 2012; 48(5):312.