Os principais fatores de risco para Mieloma Múltiplo (MM) são idade, sexo, raça e histórico familiar. Apenas 15% dos
diagnósticos são realizados em pessoas com menos de 55 anos, enquanto mais de 60% dos diagnósticos acontecem em adultos com mais de 65 anos. A incidência de MM é 1,5 vezes maior em homens do que em mulheres; 2 vezes maior em pessoas afro-americanas do que em caucasianas, enquanto asiáticos e nascidos nas ilhas do Pacífico Sul apresentam riscos menores.

Também existe forte associação de risco entre parentes de primeiro grau, especialmente em homens e afroamericanos. No Brasil, dados do Observatório de Oncologia apontam uma mediana de idade destes pacientes de 63 anos.

Algumas condições clínicas também estão associadas ao maior risco de desenvolver MM, tais como a gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI), o plasmocitoma solitário e o MM latente.

O MM é classicamente descrito como síndrome “CRAB”, acrônimo, do inglês, que resume as principais manifestações clínicas da doença: hipercalcemia (Calcium elevation), insuficiência renal (Renal failure), anemia (Anemia) e doença óssea (Bone disease). A doença é caracterizada pela proliferação descontrolada de plasmócitos, que pode causar sinais e sintomas localizados, de acordo com o sítio de proliferação (principalmente ossos), e sistêmicos, que ocorrem pelo excesso dessas células na corrente sanguínea. Cerca de 73% dos pacientes apresentam anemia ao diagnóstico, que está associada à fadiga em 32% dos casos. Outras manifestações observadas são dores ósseas (58%), perda de peso (28%), parestesia (5%) e febre (0,7%).

Por apresentar grande carga de sintomas, o MM pode comprometer a qualidade de vida e a capacidade funcional dos
pacientes, desde os estágios iniciais da doença, até os mais avançados.

A avaliação do paciente com suspeita de MM inclui a história clínica completa com investigação dos sintomas, que
dependem das lesões de órgãos-alvo. Dor óssea (doença óssea), anemia, infecções (disfunção leucocitária) e alteração da função renal são sinais e sintomas comuns. Ainda, sintomas constitucionais e neurológicos também devem ser investigados.

A doença óssea pode se apresentar como dores osteomusculares, fraturas de fragilidade e sintomas neurológicos por lesões vertebrais. A alteração da função renal, causada pelo excesso de proteína-M e pela hipercalcemia, pode ocasionar oligúria e outros sintomas inespecíficos como náusea, fraqueza e sonolência.

A disfunção de linfócitos B pode cursar com quadros infecciosos recorrentes. Já a síndrome de hiperviscosidade pode provocar sintomas relacionados à diminuição do fluxo sanguíneo para o sistema nervoso central e eventos tromboembólicos com consequentes tontura, confusão mental, ou sintomas específicos relacionados a um possível acidente vascular cerebral. Outros achados incluem hepatomegalia, esplenomegalia e linfonodomegalia. A história clínica deve incluir antecedentes como infecção, doença crônica, exposição a substâncias carcinogênicas (solventes, herbicidas, inseticidas) e radiação, imunossupressão e história familiar de MM.

Exames laboratoriais e de imagem

A investigação inicial de pacientes com suspeita de MM inclui exames com objetivo de identificar lesões de órgão-alvo (hipercalcemia, anemia, insuficiência renal e lesões ósseas), presença de proteína monoclonal tumoral (sérica e urinária) e infiltração plasmocitária na medula-óssea.

A triagem inicial dos pacientes deve considerar o hemograma completo, níveis séricos de ureia e creatinina, cálcio,
eletroforese e imunofixação de proteínas séricas e urinárias, dosagem sérica de imunoglobulinas (IgA, IgM, IgG e IgE), dosagem de cadeias leves (kappa e lambda) livres, albumina e desidrogenase láctica (DHL).

Se a suspeita diagnóstica de MM for apoiada pela investigação inicial, devem ser realizados exames complementares, que incluem: beta-2 microglobulina, proteína C reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VHS), eletroforese de proteínas e imunofixação na urina de 24 horas (se não realizada na investigação inicial), proteinúria de 24h, mielograma e imunofenotipagem (citogenética convencional ou, preferencialmente, por Hibridização in Situ por Fluorescência – FISH) no aspirado da medula óssea.

A avaliação citogenética é obrigatória para o diagnóstico. A técnica FISH está disponível para identificação das alterações moleculares e avaliação do prognóstico dos pacientes com MM recém-diagnosticado. O painel mínimo de investigação permite avaliar a presença de alterações moleculares de importância prognóstica como t(4;14), del17p, t(14;16) e, quando disponível, deve-se realizar o painel ampliado para identificação das alterações de amplificação do 1q, t(11;14).

Na confirmação do diagnóstico do MM, exames adicionais devem ser realizados para auxiliar o planejamento terapêutico. Estes exames incluem tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), fibrinogênio, d-dímero, bilirrubina total (BT) e frações, fosfatase alcalina, aminotransferases/transaminases, gama-glutamil transferase, ácido úrico e glicemia.

A avaliação laboratorial renal e hepática são necessárias para ajuste das doses de medicamentos e controle dos
efeitos colaterais do tratamento. Ao diagnóstico, a avaliação esquelética é obrigatória para o estadiamento do MM e deve ser repetida quando houver suspeita de progressão da doença. Os exames recomendados incluem ressonância nuclear magnética (RNM) e tomografia computadorizada (TC) de baixa dose. A TC deve incluir avaliação do tórax, coluna, pelve e outras áreas esqueléticas relacionadas àquelas em que o paciente apresenta sintomas e a RNM de corpo inteiro é obrigatória no caso da TC negativa.

Critérios diagnósticos 

A atualização dos critérios diagnósticos publicados em 2014 pela IMWG (International Myeloma Working Group) incluiu, além das evidências de lesões de órgão alvo classicamente utilizadas (CRAB), três biomarcadores de malignidade (aspirado de medula óssea, dosagem de cadeias leves livres e lesões focais à ressonância magnética), o que aumenta a sensibilidade do diagnóstico e possibilita a identificação precoce e o início oportuno do tratamento, antes que lesões de órgão alvo potencialmente graves se estabeleçam.

 

Estratificação de risco e estadiamento

O estadiamento e a estratificação do risco prognóstico dos pacientes com MM podem ser realizados por meio da versão revisada do Sistema de Estadiamento Internacional Revisado (R-ISS), que combina o tradicional International Staging System – ISS com citogenética, de acordo com alterações específicas no teste de hibridização in situ fluorescente (FISH), e desidrogenase lática sérica (LDH).

Diagnóstico diferencial 

Por ser uma doença proliferativa de plasmócitos, o diagnóstico diferencial do MM deve avaliar outras doenças proliferativas que envolvam essas células, tais como: GMSI não-IgM, GMSI IgM, GMSI de cadeias leves, MM latente, plasmocitoma solitário, plasmocitoma solitário com acometimento medular mínimo, leucemia de células plasmáticas, macroglobulinemia de Waldenström, amiloidose de cadeia leve (primária) e Síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, proteína M, alterações dermatológicas).

Edição 03. Março/2023
Assessoria Médica – Lab Rede

Referências

1. Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Mieloma Múltiplo. Ministério da Saúde. Brasília – DF 2022. https://www.gov.br/conitec/ptbr/midias/consultas/relatorios/2022/20220526_ddt_mieloma_multiplo_cp.pdf .
2. Rajkumar SV et al. International Myeloma Working Group updated criteria for the diagnosis of multiple Myeloma. Lancet Oncol 2014; 15: e538–48.
3. Sive J et al. Guidelines on the diagnosis, investigation and initial treatment of myeloma: a British Society for Haematology/UK Myeloma Forum Guideline British Society for Haematology. British Journal of Hematology 2021; 193, 245-268.
4. Rajkumar SV Annual Clinical Updates in Hematological Malignancies. Multiple myeloma: 2022 update on diagnosis, risk stratification, and management. Am J Hematol. 2022;97:1086–1107.