A Doença Celíaca (DC) é a intolerância alimentar mais comum na população ocidental, com prevalência de aproximadamente 1% da população geral.

As causas da doença celíaca são multifatoriais (genética, imunológica e ambiental), com a ingestão do glúten. Possui uma grande variedade de sinais e sintomas.

Caracteriza-se como uma enteropatia crônica do intestino delgado, desencadeada pelo glúten, presente no trigo, centeio, cevada, aveia, malte e ocorre como resposta autoimune em indivíduos geneticamente susceptíveis, levando à má absorção.

Os sintomas clássicos na criança são a diarreia, estatorréia, perda de peso e baixo desenvolvimento. Em
geral, o diagnóstico de DC é definido considerando quatro componentes: sintomas, a presença de HLA-DQ2 / DQ8, presença de anticorpos e alterações na histologia duodenal.

A Sociedade Europeia de Pediatria Gastroenterologia Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN) apresentou uma atualização nas diretrizes para o diagnóstico de DC em crianças e adolescentes, considerando a publicação de 2012, que permitia o diagnóstico baseado em exames sorológicos e em estudos retrospectivos.

Na diretriz foram definidos critérios para o diagnóstico da DC com uma abordagem não-biópsia em casos selecionados.

A principal mensagem das recomendações foi que o diagnóstico de DC pode ser feito sem biópsia nesse subgrupo de pacientes pediátricos porque a enteropatia celíaca (com alterações Marsh 2 ou 3) estava quase sempre presente em doentes com níveis elevados de autoanticorpos da DC no soro.

Quem deve então ser testado para DC e qual teste?

Uma razoável probabilidade pré-teste de 5-10% pode ser obtida selecionando pacientes com sinais / sintomas consistentes com DC ou pacientes assintomáticos nos grupos de risco adequados (por exemplo, portadores de diabetes tipo 1 ou com parentes de primeiro grau). TGA-IgA (transglutaminase IgA) é o teste isolado preferencial para a detecção de DC em maiores de 2 anos. Os dados de triagem populacional sugerem que mesmo na população em geral, ensaios de TGA-IgA podem ter resultados razoáveis.

O papel dos testes de HLA DQ2 e DQ8 e sintomas

O Teste HLA e a presença de sintomas não são critérios obrigatórios para um diagnóstico baseado em sorologia e sem biópsias, contudo deve-se sempre considerar o valor preditivo para a abordagem clínica.

Se o resultado de um paciente for negativo para HLA DQ2 e DQ8, o risco de DC é muito baixo, enquanto um resultado positivo não confirma o diagnóstico.

A recomendação é que a determinação do HLA-DQ2 e DQ8 não é necessária em pacientes com TGA-IgA positivo, cujo diagnóstico necessita de uma biópsia (inconclusivos) e também naqueles com TGA-IgA sérico alto (10 ULN) e Positividade EMA-IgA (diagnostico estabelecido).

Primeiros exames para o diagnóstico

Para o teste inicial, a combinação de IgA total e Anticorpos da classe IgA contra transglutaminase 2 (TGA-IgA) são recomendados porque são mais precisos e com boa relação custo-benefício. IgA anti EMA (anti-endomísio) ou DGP-IgG (IgG anti-gliadina deaminada) não precisam ser testados inicialmente. É muito importante garantir que a criança esteja consumindo quantidades normais de glúten na dieta.

Sobre os exames

 TGA-IgA – Anti-transglutaminase tecidual, IgA. A transglutaminase tecidual é uma enzima cálcio dependente que apresenta funções múltiplas, incluindo a catálise protéica ou a incorporação de aminas nas proteínas. É considerado o teste mais sensível e específico para DC.

 Anticorpo anti-endomísio, IGA. O exame detecta anticorpos contra a camada de tecido conjuntivo que cobre a camada muscular do intestino. É importante considerar que a sorologia negativa não afasta o diagnóstico posterior. O diagnóstico de sensibilidade ao glúten, não celíaca, deve ser feito apenas após exclusão de DC.

 Anticorpo anti-peptídeo de gliadina deaminado, IgA (anti-DPG IgA). O primeiro antígeno associado à doença celíaca (DC) foi a gliadina, a fração do glúten solúvel em álcool. Nos pacientes com DC, os peptídeos da gliadina que atravessam a barreira mucosa são deaminados pela transglutaminase tecidual (TTG), o que os torna muito mais imunogênicos do que peptídeos de gliadina não deaminados. Portanto, representam alvos mais específicos para anticorpos contra gliadina, os quais são produzidos em pacientes com DC. Durante a deamidação dos peptídeos da gliadina, pela TTG, é formado um complexo, o qual subsequentemente desencadeia a produção de anticorpos, não apenas contra os peptídeos da gliadina, mas também contra TTG.

Condutas diante do resultado de anticorpos TGA-IgA

Para o diagnóstico da DC sem biópsias, é obrigatório que o nível sérico da TGA-IgA ≥10 vezes o limite superior normal deva ser considerado como valor de corte e que os ensaios sejam calibrados com uma faixa de medição que inclua essa concentração. A deficiência sérica de IgA, mesmo quando os testes sorológicos IgG mostrarem-se positivos é impeditivo à aplicação de algoritmos de diagnóstico sem a biópsia.

• Crianças com valores de TGAIgA ≥10 vezes o limite superior normal, recomenda-se a determinação dos anticorpos EMA IgA em segunda amostra. Embora altos títulos TGA-IgA (≥10x) sejam raros nas crianças com histologia duodenal normal, um resultado EMA-IgA positivo, posteriormente realizado, irá diminuir significativamente a taxa de resultados falso-positivos e o diagnóstico de DC poderá ser confirmado com a abordagem sem biópsia.

• Crianças com TGA-IgA positivo, mas títulos mais baixos (<10 vezes superior limite superior do normal) deve-se realizar biópsia para diminuir o risco de diagnóstico falso-positivo. A especificidade de títulos baixos de TGA-IgA, particularmente na ausência de EMA-IgA, e a consequente decisão clínica precisam de mais investigação.

O valor dos testes em crianças assintomáticas

Estudos recentes sugerem que a abordagem não-biópsia para o diagnóstico da DC pode ser aplicada para crianças assintomáticas. Entretanto, nas crianças assintomáticas, o valor preditivo positivo (VPP) dos níveis elevados TGA-IgA ≥10 vezes a unidade padrão pode ser mais baixo. É extremamente importante analisar o contexto para a tomada de decisão.

Edição 07. Julho/2021.

Assessoria Médica – Lab Rede

Referências

1. Wolf J, Petroff D, Richter T, et al. Validation of Antibody-Based Strategies for Diagnosis of Pediatric Celiac Disease Without Biopsy. Gastroenterology 2017;153:410–419. [PubMed: 28461188]

2. Werkstetter KJ, Korponay-Szabo IR, Popp A, et al. Accuracy in Diagnosis of Celiac Disease Without Biopsies in Clinical Practice. Gastroenterology 2017;153:924–935. [PubMed: 28624578]

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Algoritmos ESPGHAN

Tomando-se por base as evidências, os algoritmos de 2012 das orientações da ESPGHAN foram modificados: