Sociedades médicas divulgam Posicionamento Conjunto com importantes orientações

Fruto da pareceria entre a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, o Posicionamento Conjunto – Medicina diagnóstica inclusiva: cuidando de pacientes transgênero visa contribuir para a qualidade do apoio médico a quaisquer gêneros. Os indivíduos transgênero não se identificam com o sexo biológico e alguns buscam assistência médica para intervenções que visam afirmar fenotipicamente o gênero de identidade. Estas intervenções incluem desde tratamentos estéticos e hormonais até cirurgias de adequação ao gênero. É importante destacar que a terminologia “transgênero” abrange a transexualidade, a travestilidade e outras expressões identitárias. A abordagem da transgeneridade inclui endocrinologistas, psiquiatras e psicólogos. A terapêutica hormonal na pessoa
trans visa reduzir o nível hormonal endógeno e manter níveis hormonais compatíveis com aqueles do gênero oposto, de forma a promover o surgimento das características sexuais secundárias do gênero desejado e amenizar as do sexo biológico. Estas mudanças físicas visam proporcionar bemestar físico, mental e emocional. Neste caso, o apoio do laboratório clínico é fundamental para o acompanhamento da segurança e da efetividade da terapia. A estrogenioterapia representa a base para o processo de feminização de indivíduos transexuais masculinos na direção de mulheres transgênero. O tratamento estrogênico tem como objetivo promover o desenvolvimento mamário, a distribuição feminina da gordura corporal e a redução do padrão masculino de crescimento dos pelos faciais e corporais, além de determinar a suavização da textura da pele e redução de sua oleosidade. Ademais, promove redução da massa muscular, da libido, de ereções espontâneas, do volume testicular e atrofia prostática. Estes efeitos começam a ser observados após três meses de terapia hormonal e atingem o ápice aos 24 meses aproximadamente. Os níveis séricos de estradiol e testosterona devem ser mantidos no intervalo dos valores para mulheres em fase folicular do ciclo menstrual. Diferentes formulações de estrogênios podem ser utilizadas: via oral, transdérmica ou parenteral. Os estrógenos naturais são preferíveis aos sintéticos por serem mensuráveis, permitindo o acompanhamento laboratorial do Estradiol sérico. O estrógeno natural 17-β-estradiol por via transdérmica deve ser priorizado em pacientes acima de 40 anos de idade ou com risco elevado para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. O etinilestradiol, um estrógeno sintético, eleva o risco tromboembólico e cardiovascular e não é detectado na avaliação laboratorial, não sendo recomendado. O tratamento estrogênico resulta em perfil lipídico favorável,
com aumento de HDL e redução de LDL colesterol na maioria dos estudos. Entretanto, efeitos adversos podem ocorrer como ganho de peso, piora da resistência insulínica, elevação da pressão arterial, além de aumento de marcadores inflamatórios e protrombóticos. Hiperprolactinemia também foi descrita, geralmente com altas doses e por tempo prolongado. O objetivo do tratamento hormonal de mulheres transexuais na direção de homem transgênero é induzir virilização, produzir padrão masculino de crescimento dos pelos faciais e corporais, promover o aumento da massa muscular e cessar os ciclos menstruais. Com o tratamento androgênico observa-se aumento da libido, redistribuição da gordura do quadril para o abdome, aumento da oleosidade da pele, engrossamento da voz, queda de cabelo
no couro cabeludo, atrofia do tecido glandular mamário, transformação policística dos ovários e proliferação ou atrofia endometrial. Os efeitos surgem em 1 a 6 meses após início do tratamento hormonal e se completam em até 5 anos. Com esta finalidade, administra-se testosterona em suas diferentes formulações. As apresentações mais frequentemente prescritas no tratamento dos homens trans são injeções intramusculares de ésteres de testosterona de curta ou longa ação. O intervalo de
administração das doses varia conforme a resposta clínica, o nível hormonal atingido e os efeitos adversos observados. Os níveis séricos de testosterona total devem ser mantidos na média do intervalo normal para o sexo masculino, evitando-se doses suprafisiológicas, associadas a efeitos adversos.
O nível sérico de testosterona deve ser avaliado em momentos diferentes de acordo com a formulação em uso: Undecanoato de Testosterona de longa duração: no intervalo intermediário entre duas injeções; Testosterona injetável de ação curta: na véspera da aplicação seguinte. Manter o nível de testosterona
pouco acima do limite inferior de normalidade do método. Testosterona por via transdérmica: em gel, utilizada diariamente pela manhã. O monitoramento deve ser realizado após 2-3 semanas de uso e a coleta, cerca de 4 horas após a aplicação ou imediatamente antes da próxima aplicação. Em raros casos é necessária a administração concomitante de Progesterona para cessar os ciclos menstruais, em especial nos usuários de testosterona por via transdérmica. Na grande maioria dos casos, o uso isolado da testosterona parenteral consegue bloquear os ciclos menstruais, em até 3 meses após o início da administração. Os efeitos colaterais mais observados são eritrocitose, hipertensão arterial, ganho de peso, alterações lipídicas, disfunções hepáticas, surgimento ou piora da acne, alterações
psicológicas e comportamento agressivo. Outra possível consequência é o desenvolvimento de neoplasias estrogênio-dependentes como as de mama, útero, ovário e vagina. Embora raras, essas neoplasias devem ser monitoradas em pacientes não operados, visto que parte da Testosterona administrada é convertida em Estrogênio. Assim como o Estrógeno, a Testosterona também previne perda de massa óssea por ação direta e por ação indireta através de sua conversão para estrógenos.

Monitoramento clínico-laboratorial

O seguimento clínico e laboratorial deve ser realizado periodicamente, com o intervalo de tempo entre as avaliações ajustado às necessidades individuais, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento das características sexuais e identificar efeitos adversos relacionados ao uso hormonal e necessidade de modificações na terapêutica. Este acompanhamento deve ser complementado com avaliações específicas para os indivíduos com outras morbidades. Intervalos de referência específicos para pacientes transgênero ainda não estão estabelecidos, e neste caso os intervalos de referência do sexo oposto/gênero de identidade devem ser usados como alvo inicial. Em qualquer caso, os resultados
devem ser interpretados pelo médico assistente, com cautela e tendo em vista o contexto de cada paciente. O protocolo de avaliação e monitoramento do Ambulatório de Disforia de Gênero do HC-FMUSP é descrito a seguir.

MULHERES TRANS
Avaliação laboratorial inicial Hemograma, função renal, eletrólitos, função hepática,
glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticos ou pré-diabéticos), perfil lipídico, HbsAg, anti-Hbs, AntiHbc, Anti-HCV, Anti-HIV, VDRL, FTA-Abs, FSH, LH, estradiol, testosterona total, prolactina. Seguimento semestral Hemograma, função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticosou pré-diabéticos), perfil lipídico, FSH, LH, estradiol,
testosterona total e prolactina. O rastreamento oncológico deve ser realizado através da avaliação urológica e dosagem de PSA (que devem ser anuais após os 50 anos de idade, uma vez que a próstata é mantida, mesmo após a cirurgia de adequação genital), mamografia/US das mamas anualmente e densitometria óssea bianual. Realizar anualmente se fatores de risco adicionais para osteoporose.

HOMENS TRANS
Avaliação laboratorial inicial Hemograma, função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada para diabéticos ou pré-diabéticos, perfil lipídico, HbsAg, antiHbs, Anti-Hbc, Anti-HCV, Anti-HIV, VDRL, FTA-Abs, LH, FSH, estradiol e testosterona total. Seguimento semestral Hemograma (ou hematócrito), função renal, eletrólitos, função hepática, glicemia de jejum, insulina, hemoglobina glicada (diabéticos ou pré-diabéticos), perfil lipídico, FSH, LH, estradiol e testosterona total.

O rastreamento oncológico deve ser realizado em pacientes que apresentam comportamento risco. Pode ser indicada a US pélvica (bianualmente até a histerectomia), colpocitologia oncótica (anualmente até a histerectomia), mamografia/US mamas (anualmente até a mastectomia) e densitometria óssea
bianualmente (anualmente se fator de risco adicional para osteoporose). Atualmente, a maioria dos laboratórios trabalha com o cadastro do sexo biológico dos pacientes. Alguns têm inserido a opção “Indeterminado” ou equivalente. Uma importante questão é a solicitação de testes laboratoriais típicos do sexo biológico para pacientes do gênero oposto. Por exemplo, a solicitação de PSA para mulheres trans (que continuam tendo próstata) e exames preventivos para câncer do colo de útero para homens trans, que tiverem útero. Pode ser necessário adequar as rotinas para procedimentos característicos de um dos sexos biológicos. Os cuidados mais amplos, devem ser personalizados. São recomendados os seguintes monitoramentos:
°Osteoporose: Deve ser considerada de acordo com a história pregressa do paciente a realização de um teste para avaliação basal da densidade mineral óssea, antes do início do tratamento, principalmente naqueles que iniciaram hormonioterapia por conta própria ou já foram submetidos a gonadectomia. O procedimento deve ser repetido aos 60 anos em pacientes de baixo risco. Câncer da Mama: As mulheres trans tratadas com estrógenos devem ser monitorizadas. O risco dos homens trans que realizam mastectomia bilateral reduz proporcionalmente.  Doença Cardiovascular: Aconselha-se acompanhamento com esta finalidade, principalmente devido ao uso.
°Câncer da Próstata: As mulheres trans, mesmo as que fizeram a cirurgia de redesignação de sexo, tem a próstata mantida e deve-se fazer monitorização individualizada.