Doença inflamatória intestinal (DII) é a denominação dos distúrbios que têm em comum a inflamação crônica do trato digestivo. Os tipos de DII mais frequentes são a Colite ulcerativa e a Doença de Crohn.

Atualmente, a colonoscopia é o método padrão para o diagnóstico inicial, avaliação da extensão da doença e da resposta ao tratamento. Contudo a calprotectina em níveis elevados tem se mostrado um biomarcador útil e não invasivo, que auxilia na diferenciação com a síndrome do intestino irritável, uma vez que os sintomas de diarreia e dor abdominal crônica e recorrente são comuns

Figura 1 – Adaptado de khtaire, S., Shajib, M.S., Reinisch, W. et al. Fecal calprotectin: its scope and utility in the management of inflammatory bowl disease. J Gastroenterol 51, 434–446 (2016). https://doi.org/10.1007/s00535-016-1182-4

O que é a calprotectina?

É uma proteína ligadora de cálcio e zinco, que corresponde a 60% das proteínas solúveis no citoplasma,
principalmente nos granulócitos, mas também em monócitos e células epiteliais. Nas pessoas com DII, o número aumentado de neutrófilos no intestino leva a um consequente aumento dos níveis de calprotectina.

Esta proteína é absorvida pelas fezes e adquire estabilidade ligando-se ao cálcio, antes de ser eliminada.
A sua concentração nas fezes é proporcional à intensidade da inflamação.

Evidências sobre o valor da dosagem de calprotectina fecal no diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais: Há vários registros na literatura que demonstram o valor da calprotectina para o diagnóstico e monitoramento de DII, comparativamente ao padrão ouro que é a colonoscopia. A sensibilidade é cerca de 85% (IC 95%: 82–87%) e especificidade de 75% (IC95%: 71–79%) (Rokkas, 2018), porém os diferentes cortes (50 μg/g, 100 μg/g ou acima) determinam diferenças nestes parâmetros.

Penna et al, 2020 realizou um estudo prospectivo comparativo da avaliação endoscópica e determinação conjunta da PCR e Calprotectina no grupo de pacientes com doença de Crohn e avaliou a acurácia destes marcadores na inflamação. O ponto de corte de 155 μg/g apresentou alta sensibilidade (96%) e especificidade de 78% no diagnóstico da atividade inflamatória à endoscopia. Em relação à PCR, o valor de 6,7 mg/L proporcionou sensibilidade de 75% e especificidade de 67%. A especificidade foi mais elevada (82%) quando mensurados em conjunto, comparando-se ao seu uso individual.

Outras publicações, como a revisão sistemática de Holtman et al 2016, envolvendo 19 estudos e 2806 crianças, apesar das limitações, define uma elevada sensibilidade e moderada especificidade na utilização de biomarcadores, comparando com a colonoscopia: sensibilidade: 0,99 (IC95% 0,92-1,00); especificidade: 0,65 (IC95% 0,54-0,74).

Valor da Calprotectina Fecal como preditor de recidiva da DII: Uma revisão sistemática realizada por Heida et al, 2017 mostra um percentual elevado de remissão (67 a 94%) nos indivíduos portadores de DII que se mantiveram com valores normais de calprotectina. Por outro lado, mesmo os assintomáticos que apresentavam valores elevados tiveram maior probabilidade de recidiva, em torno de 53 a 83%.

Além do já citado anteriormente, há registros comparativos da colonoscopia com ou sem histológico e a dosagem da calprotectina fecal obtendo-se elevados coeficientes de correlação na colite ulcerativa (r=0,83) e doença de Crohn (r=0,75); Boon et al, 2015.

Fatores pré-analíticos, amostra e variabilidade interindividual: A determinação da calprotectina apresenta alta variabilidade interindividual em diferentes períodos do dia e entre dias. O motivo é o aumento da concentração com aumento do intervalo entre as evacuações. Portanto, recomenda-se padronizar a análise de amostras da primeira evacuação do dia. A elevada afinidade pelo cálcio e resistência à degradação proteica determina estabilidade de 4 a 7 dias a temperatura ambiente.

Limitações: Outras causas de elevação da calprotectina são a doença celíaca, uso de anti-inflamatórios não esteroides ou aspirina, câncer colorretal.

Conclusões

 A avaliação da atividade inflamatória é determinante para o tratamento adequado das síndromes inflamatórias intestinais e a calprotectina é um bom marcador.

 Vantagem da calprotectina é ser não invasivo, porém a sensibilidade (possibilidade de detectar a DII quando ela está presente, resultar positivo) é maior do que a especificidade (a capacidade do teste afastar a DII quando ela está ausente, resultar negativo).

 Resultados alterados e elevados na triagem para calprotectina fecal em indivíduos com baixa probabilidade pré-teste para DII pode resultar em economia de custos com procedimentos desnecessários.

 Pacientes assintomáticos com valores alterados possuem maior chance de recidiva.

 Uma limitação são os valores de corte heterogêneos, mas podem ser validados na clínica e há estudos no nosso meio.

Diretrizes de utilização sugeridas para o exame calprotectina fecal

1- Indivíduos com diarreia crônica, redicivante, associada ou não a sintomas de dor abdominal, náuseas e vômitos, com o objetivo de diferenciar entre síndrome do intestino irritável e doenças inflamatórias intestinais (DII) crônicas;

2- Portadores de doenças inflamatórias intestinais em remissão.

Assessoria Médica – Lab Rede

Referências

1. Heida A, Park KT, van Rheenen PF. Clinical Utility of Fecal Calprotectin Monitoring in Asymptomatic Patients with Inflammatory Bowel Disease: A Systematic Review and Practical Guide. Inflamm Bowel Dis. 2017 Jun;23(6):894-902. doi: 10.1097/MIB.0000000000001082. PMID: 28511198; PMCID: PMC5434712.

2. Ikhtaire, S., Shajib, M.S., Reinisch, W. et al. Fecal calprotectin: its scope and utility in the management of inflammatory bowel disease. J Gastroenterol 51, 434–446 (2016). https://doi.org/10.1007/s00535-016-1182-4

3. Pathirana WGW, Chubb SP, Gillett MJ, Vasikaran SD. Faecal Calprotectin. Clin Biochem Rev. 2018;39(3):77-90.

4. Penna, Francisco & Rosa, Rodrigo & Cunha, Pedro & Souza, Stella & Ferrari, Maria. (2020). Faecal calprotectin is the biomarker that best distinguishes remission from different degrees of endoscopic activity in Crohn’s disease. BMC Gastroenterology. 20. 10.1186/s12876-020-1183-x

5. Penna, Francisco & Rosa, Rodrigo & Cunha, Pedro & Souza, Stella & Ferrari, Maria. (2020). Combined evaluation of fecal calprotectin and C-reactive protein as a therapeutic target in the management of patients with Crohn’s disease. GastroenterologIA y Hepatologia. https://doi.org/10.1016/j.gastrohep.2020.04.015

6. Rokkas T, Portincasa P, Koutroubakis IE. Fecal calprotectin in assessing inflammatory bowel disease endoscopic activity: a diagnostic accuracy meta-analysis. J Gastrointestin Liver Dis. 2018 Sep;27(3):299-306. doi: 10.15403/jgld.2014.1121.273.pti. PMID: 30240474.